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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Guerra dos Mundos

"Guerra dos Mundos"

No dia 30 de outubro de 1938, um programa de rádio simulando uma invasão extraterrestre desencadeou pânico na costa leste dos Estados Unidos. A rede de rádio CBS (Columbia Broadcasting System) interrompeu sua programação musical para noticiar uma suposta invasão de marcianos. 

A "notícia em edição extraordinária", na verdade, era o começo de uma peça de radioteatro, que não só ajudou a CBS a bater a emissora concorrente (NBC), como também desencadeou pânico em várias cidades norte-americanas. "A invasão dos marcianos" durou apenas uma hora, mas marcou definitivamente a história do rádio.
Dramatizando o livro de ficção científica A Guerra dos Mundos, do escritor inglês Herbert George Wells, o programa relatou a chegada de centenas de marcianos a bordo de naves extraterrestres à cidade de Grover's Mill, no estado de Nova Jersey. Os méritos da genial adaptação, produção e direção da peça eram do então jovem e quase desconhecido ator e diretor de cinema norte-americano Orson Welles. O jornal Daily News resumiu na manchete do dia seguinte a reação ao programa: "Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos".

A dramatização, transmitida às vésperas do Halloween (dia das bruxas) em forma de programa jornalístico, tinha todas as características do radiojornalismo da época, às quais os ouvintes estavam acostumados. Reportagens externas, entrevistas com testemunhas que estariam vivenciando o acontecimento, opiniões de peritos e autoridades, efeitos sonoros, sons ambientes, gritos, a emoção dos supostos repórteres e comentaristas. Tudo dava impressão de o fato estar sendo transmitido ao vivo. Era o 17º programa da série semanal de adaptações radiofônicas realizadas no Radioteatro Mercury por Orson Welles.
A CBS calculou, na época, que o programa foi ouvido por cerca de seis milhões de pessoas, das quais metade o sintonizou quando já havia começado, perdendo a introdução que informava tratar-se do radioteatro semanal. Pelo menos 1,2 milhão de pessoas acreditou ser um fato real. Dessas, meio milhão teve certeza de que o perigo era iminente, entrando em pânico, sobrecarregando linhas telefônicas, com aglomerações nas ruas e congestionamentos causados por ouvintes apavorados tentando fugir do perigo. De acordo com os relatos da época, quem estava na zona rural correu desesperadamente para a cidade, e cruzou com quem estava na cidade e procurava refúgio no campo. Os telefones das delegacias de polícia não paravam de tocar e os gritos de socorro ecoavam pelas ruas.

Naqueles tempos, a voz de Hitler já ecoava assustadoramente pela Europa e o rádio era o mais poderoso veículo de comunicação. Especialistas no estudo do comportamento humano comentaram em entrevistas aos jornais da época que "os ouvintes estão sempre prontos a acreditar no que uma autoridade oficial diz" e, por isso mesmo, o pânico foi generalizado. Para complicar ainda mais a situação, naquele momento os americanos temiam uma "invasão" de alemães ou chineses.
O medo paralisou três cidades e houve pânico principalmente em localidades próximas a Nova Jersey, de onde a CBS emitia e onde Welles ambientou sua história. Houve fuga em massa e reações desesperadas de moradores também em Newark e Nova York. A peça radiofônica, de autoria de Howard Koch, com a colaboração de Paul Stewart e baseada na obra de Wells (1866-1946), ficou conhecida também como "rádio do pânico".


No começo da transmissão, Welles se apresentara como um certo professor Pierson, "famoso astrônomo do Observatório de Princeton", e declarara pelo rádio, na forma de entrevista, que estava ocorrendo uma série de fenômenos na crosta do planeta Marte. Na verdade, a "entrevista" era tirada do livro "A Guerra dos Mundos", escrito em 1898 por H. G. Wells, mas o tom de seriedade fez com que muitos ouvintes achassem que tudo era verdade. 

Na seqüência da transmissão, a emissora informou que um disco voador havia aterrissado numa pequena fazenda em Grovers Mill, Estado de Nova Jersey - perto de Nova York. Logo depois, informava em tom sensacionalista que outros discos teriam pousado em várias partes do país. A transmissão teve direito até ao pronunciamento de um hipotético secretário do Interior, "diretamente de Washington", admitindo a gravidade da situação e pedindo calma aos moradores.


A descrição continua com detalhes assustadores e a situação fica ainda mais tensa com o pronunciamento do "secretário do Interior", diretamente de Washington": 
"Cidadãos do meu país: não devo ocultar a gravidade da situação que nosso país atravessa, nem a preocupação do seu governo em proteger a vida e as propriedades do seu povo..." 


Seguem-se relatos de novas batalhas, até o intervalo, quando o locutor informa: 
"Estão ouvindo uma apresentação da CBS do Mercury Theatre de Orson Welles, numa dramatização de A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells. O programa continuará após um breve intervalo. Aqui fala a Columbia Broadcasting System.." 


A esta altura, porém, muitos ouvintes, já em pânico, nem ouviram a informação. A notícia já estava se espalhando. Na segunda parte do programa, o tal "professor Pierson" descreve o clima assustador. 


"Alcancei a rua 14 e lá estava novamente o pó preto, vários cadáveres e um cheiro diabólico, pavoroso, exalando dos gradis dos porões de algumas das casas.." 
A descrição continua até dar um salto de alguns anos mais tarde, agora com a vida de volta ao normal, as crianças brincando nas ruas, o povo tranqüilo. E Welles termina o programa: 

"Aqui fala Orson Welles desligado do seu personagem para assegurar-lhes que 'A Guerra dos Mundos' não teve outro objetivo além de oferecer-lhes um bom divertimento para o domingo. Sua versão radiofônica vestiu um lençol branco e saiu de trás de uma moita fazendo um 'buuuu'. Aniquilamos o mundo diante de seus ouvidos e destruímos completamente a CBS. Espero que estejam aliviados por saberem que não tencionávamos isso e que ambas as instituições estão funcionando normalmente. De modo que, adeus a todos e lembrem-se, por favor, pelo dia de amanhã e pelo seguinte, da terrível lição que receberam esta noite. Este sorridente e globular invasor da sua sala de estar é um habitante do país das abóboras. Se baterem à sua porta e não houver ninguém lá, não é nenhum marciano... É Halloween!"

Herbert George Wells, por sua vez, foi um dos precursores da literatura de ficção científica. O livro A Guerra dos Mundos, publicado em 1898, era uma de suas obras mais conhecidas, tendo Londres como cenário. Ele escreveu num estilo bastante jornalístico e tecnologicamente atualizado para sua época. A transmissão de A Guerra dos Mundos foi também um alerta para o próprio meio de comunicação "rádio".

Ficou evidente que sua influência era tão forte a ponto de poder causar reações imprevisíveis nos ouvintes. A invasão dos marcianos não só tornou Orson Welles mundialmente famoso como é, segundo cientistas de comunicação, "o programa que mais marcou a história da mídia no século 20".


CURIOSIDADES
Ø    O som das naves foi feito com a descarga do banheiro.
Ø    Em 1971, uma rádio no Maranhão repetiu a dramatização de Guerra dos Mundos ao vivo.
Ø    O Jornal Correio do Povo, de Porto Alegre - RS, publicou em 31 de outubro de 1938: "Apesar do speaker ter advertido por quatro vezes durante o programa que se tratava apenas de uma ficção, houve pânico nos Estados Unidos". Milhares deixaram as suas casas, tentando fugir das cidades. O pânico provocou acidentes em série, prejuízos incalculáveis e até suicídios. Nunca mais a sociedade norte-americana olharia a rádio da mesma maneira.
Ø    Entre as inúmeras histórias sobre o trauma causado pela transmissão está a de vários cidadãos que tiveram de ser resgatados seis semanas depois por voluntários da Cruz Vermelha nas montanhas de Dakota, pois eles se recusavam a acreditar que tudo não passara de ficção. E uma ingênua operária mandou a seguinte carta a Orson Welles: "Quando aquelas coisas aconteceram, eu achei que a melhor coisa a fazer era dar no pé. Então, peguei os 3,25 dólares que havia economizado e comprei uma passagem. Após ter viajado 16 milhas, ouvi dizer que era tudo uma peça. Agora estou sem o dinheiro e sem os sapatos que ia comprar com ele. O senhor poderia, por favor, mandar alguém me entregar um par de sapatos pretos, tamanho 9 B?" .
Ø    Para envolver ainda mais os ouvintes, a transmissão teve sua história atualizada e adaptada da Inglaterra para os EUA. Na versão, a pequena cidade de Grover’s Mill, no interior de Nova Jersey, foi escolhida ao acaso como a primeira parada dos alienígenas no nosso planeta. Ironicamente, lá, a população não entrou em pânico com o programa, provavelmente porque simplesmente olhavam pela janela e notavam que estava tudo bem.
Ø    No dia seguinte, jornais de todo o mundo noticiavam o pânico causado pela transmissão. O governo norte-americano exigiu uma cópia do programa para análise e, nos meses seguintes, Welles e a CBS foram alvo de centenas de ações na Justiça – mas nenhuma foi bem-sucedida.
Ø    Orson Welles morreu de ataque cardíaco em sua casa no bairro de Hollywood, em Los Angeles, Califórnia em 10 de outubro de 1985, aos 70 anos, e, segundo a lenda, teria feito o seguinte comentário sobre sua profissão antes de morrer: "Esse é o maior trem elétrico que um menino já teve." Seu último trabalho foi dublando a voz do planeta Unicron no desenho animado de longa metragem de 1986 The Transformers: The Movie.


TRANSMISSÃO
Locutor – Não há previsão de grandes mudanças de temperatura nas próximas 24 horas. Uma ligeira depressão atmosférica, de origem desconhecida, foi observada nas proximidades de Nova Escócia; em conseqüência, é possível que caiam chuvas leves sobre os estados da Região Norte. Máxima: 66 graus Fahrenheit; mínima: 48 graus. Previsão do Instituto Meteorológico Nacional. A partir deste momento passaremos a transmitir diretamente do Meridian’s Room, no Hotel Plaza, com Raymond Russello e sua orquestra.
Música espanhola.
– Senhoras e senhores, boa-noite. Diretamente do Meridian’s, do Hotel Plaza, no centro de Nova York, apresentamos a orquestra de Raymond Russelo, que vai interpretar “La Cumparsita”.
Música.
– Senhoras e senhores, interrompemos o nosso programa de música e dança a fim de transmitir um boletim extra da Intercontinental Radio News. Às 19h40m de hoje, o professor Farrel, do observatório do Monte Jennings, em Chicago, Illinois, informou ter observado, sobre a superfície do planeta Marte, em intervalos regulares, várias explosões de gás incandescente. O espectroscópio indicou que o gás em questão é hidrogênio e que suas partículas se deslocam rumo à Terra com velocidade fantástica. O fenômeno foi confirmado pelo professor Pearson, do Observatório de Princeton, que o descreveu com as seguintes palavras: “Parecem chamas azuladas saídas do cano de um revólver”. Voltamos agora a transmitir do Meridian’s Room do Hotel Plaza, no centro de Nova York, com a orquestra de Raymond Russelo.
Música e aplausos.
– E agora ouvirão o sucesso de sempre, “Stardust”, com Raymond Russelo e sua orquestra.
“Stardust”.
Interrupção.
– Senhoras e senhores, dando seqüência ao boletim noticioso irradiado há poucos instantes, podemos informar agora que o Bureau Meteorológico do Governo acaba de pedir a todos os observatórios do país que acompanhem ininterruptamente, através de seus telescópios, as mudanças em curso no planeta Marte. Levando em conta a natureza excepcional do fenômeno, entrevistamos o célebre professor Pearson, que nos vai dar a sua opinião sobre o mesmo. Enquanto aguardamos a ligação com o observatório de Princeton, Nova Jersey, continuaremos a ouvir a orquestra de Raymond Russelo.
“Stardust”.
– Deslocamo-nos agora para o Observatório de Princeton, onde Carl Philips, nosso enviado especial, entrevistará o professor Richard Pearson. Com vocês, Princeton.
Durante toda a seqüência ouve-se, ao fundo, um tique-taque mecânico.

– Boa-noite, senhoras e senhores. Aqui, Carl Philips, falando diretamente do Observatório de Princeton. Neste momento encontro-me em uma grande sala semicircular, sombria, em cujo teto há uma abertura retangular. Através dessa abertura, vejo algumas estrelas, que lançam uma espécie de luz irreal sobre o mecanismo do telescópio gigante. O tique-taque é produzido pelo movimento do mecanismo de alta precisão do telescópio. O professor Pearson encontra-se a meu lado, numa pequena plataforma, da qual pode ver os grandes corpos celestes. Antecipadamente, senhoras e senhores, peço que desculpem as possíveis interrupções da entrevista, pois a qualquer instante, no decorrer de sua incessante observação do céu, o professor Pearson poderá ter que atender ao telefone ou a qualquer outro tipo de chamado. Ele se acha em contato permanente com centros astronômicos do mundo inteiro.
– Professor, poderia dizer aos nossos ouvintes o que está vendo agora, ao observar o planeta Marte através do seu telescópio?
– Nada de especial, Sr. Philips… Vejo apenas um disco vermelho flutuando em um mar azul escuro. Há listras negras, muito nítidas, na superfície desse disco, pois nesse momento Marte se encontra no ponto de sua órbita mais próximo da Terra, em oposição, como você nesta plataforma em relação a mim.
– No seu entender, professor, o que são essas listras transversais?
– O que eu posso garantir, Sr. Philips, é que não se trata de canais. Embora muitos suponham que Marte é habitado, de um ponto de vista estritamente científico sabemos que tais listras são apenas o resultado de condições atmosféricas particulares daquele planeta.
– Podemos dizer então que, como sábio, o senhor está convencido de que não existe em Marte vida inteligente, tal como a que conhecemos?
– A meu ver a possibilidade é uma contra mil.
– Então, como explicar essas explosões de gases que agora estão se produzindo lá a intervalos regulares?
– Bem, não posso explicá-las.
– Para conhecimento de nossos ouvintes, professor, qual a distância entre Marte e a Terra?
– Cerca de 40 milhões de milhas.
– Ah! Parece-me uma distância bastante segura.
– Obrigado.

– Um instante, por favor, senhoras e senhores. Alguém acaba de entregar uma mensagem ao professor. Um instante, por favor, o professor passa às minhas mãos a mensagem que acaba de receber. Senhoras e senhores, o telegrama recebido pelo professor Pearson está assinado pelo Dr. Grey do Museu de História Natural de Nova York, e tem o seguinte texto: “às 21h15m de hoje o sismógrafo registrou um choque de intensidade quase igual à de um tremor de terra, num raio de 20 milhas ao redor de Princeton. Queira, por favor, investigar. Assinado Lloyd Grey, chefe do Departamento Astronômico”. Fim da citação.
– Professor Pearson, o senhor vê alguma relação entre este fenômeno e as alterações verificadas em Marte?
– Oh… Claro que não, Sr. Philips. Trata-se, provavelmente, da queda de um meteorito de tipo bastante raro, cuja chegada neste momento não tem nenhuma coincidência com o ocorrido em Marte. Logo que o dia amanheça, investigaremos o assunto.
– Obrigado, professor, senhoras e senhores, acabamos de falar diretamente do Observatório de Princeton, na transmissão de uma entrevista especial do célebre professor Pearson. Alô, Nova York. Alô, estúdio.
Música e depois o locutor.
– Senhoras e senhores, transmitimos a seguir o último boletim de notícias da International Radio News: “Toronto, Canadá. O Professor Morris, da Universidade de MacMilan, declarou ter observado, entre às 19h45m e 21h20m de hoje, três explosões na superfície do planeta Marte”. E neste momento nos chega uma informação procedente de um local bem próximo de nós. Um boletim especial de Fenton, Nova Jersey, assinala que às 20h50m um gigantesco objeto incandescente – possivelmente um meteorito – caiu numa fazenda próxima de Grover’s Mill, em Nova Jersey, a 22 milhas de Fenton. O clarão do objeto no céu foi visível num raio de centenas de milhas e o estrondo da queda ouvido até em Elizabeth, muitas milhas em direção ao Norte. Despachamos vários repórteres para os locais em questão, inclusive o nosso enviado especial Carl Philips. Enquanto não chegam novas notícias, transmitiremos diretamente do Hotel Martinez, em Brooklin, com a orquestra de Bobby Mitchell, que executa um programa de música romântica.
Música de estúdio.
– Neste momento, entramos em comunicação com Grover’s Mill, em Nova Jersey.
Ruído de sirenes.
– Senhoras e senhores. Aqui fala Carl Philips, no pátio da fazenda Willmot, em Grover’s Mill, estado de Nova Jersey. Em companhia do professor Pearson, percorri em apenas 10 minutos as 11 milhas que separam esta fazenda do Observatório de Princeton. Bem… bem… não sei como começar. Não sei como descrever a estranha cena que se desenrola diante de meus olhos. É inacreditável. Acabo de chegar e ainda não pude ver tudo. Eu… eu… eu… sim, aí está. Diante de mim… uma coisa… meio enterrada num buraco enorme. Deve ter caído com uma força terrível, pois o solo está inteiramente coberto de fragmentos de árvores despedaçadas por ocasião da queda. Contudo, é evidente que o objeto não tem qualquer semelhança com um meteorito, pelo menos com os meteoritos que já vimos antes. Parece mais um imenso cilindro, com um diâmetro de… a seu ver, professor Pearson, qual o diâmetro?
– O quê?
– Qual o diâmetro, professor?
– Mais ou menos 30 metros.
– Mais ou menos 30 metros! O metal de que é construído é… bem… nunca vi nada parecido. É branco, um pouco amarelado. Populares se aproximam do objeto, apesar dos esforços da polícia para mantê-los a distância. Eles tomam a minha frente… Por favor, podiam ficar um ao lado do outro?
Vozes, a polícia afasta os curiosos.
– Vai falar agora o Sr. Willmot, proprietário da fazenda, que talvez tenha alguma informação para acrescentar. Com a palavra o Sr. Willmot.
– Olá!
– O senhor poderia dizer algo aos nossos ouvintes acerca deste estranho visitante que acaba de descer no seu jardim? Aproxime-se, por favor. Senhoras e senhores: o Sr. Willmot.
Voz com forte sotaque caipira.
– Eu estava escutando o rádio…
– Um pouco mais alto, por favor.
– O que?
– Mais alto!
– Tá bem. Eu estava escutando o rádio, meio dormindo, meio acordado. Tinha um tal de professor Machin falando sobre o planeta Marte e eu dormi na metade da história…
– Sim, Sr. Willmot, e depois, o que houve?
– Como eu estava dizendo, fiquei escutando o rádio e dormi na metade da história.
– Sim, sim, Sr. Willmot, e depois, o senhor viu alguma coisa?
– Bem, não foi logo em seguida. Daí escutei um ruído.
– De que espécie?
– Um assobio, assim. Como esses foguetes que soltam em dias de festas.
– E daí?
– Daí virei a cabeça para o lado da janela e tive a impressão de que estava sonhando. Vi um risco de fogo e depois pum!… Qualquer coisa bateu no chão com tanta força que me fez cair da cadeira.
– Sentiu medo, Sr. Willmot?
– Bom, não sei, foi uma surpresa tão grande…
– Obrigado, Sr. Willmot, muito obrigado.
– O senhor quer que eu fale do…

– Não, obrigado, é mais do que suficiente. Senhoras e senhores acabam de ouvir o Sr. Willmot, proprietário da fazenda onde caiu o objeto não identificado. Eu gostaria que vissem a cena com seus próprios olhos. É inacreditável. Os curiosos não respeitam os cordões de isolamento e os faróis dos automóveis iluminam intensamente o buraco onde se encontra o objeto, enterrado pela metade. Algumas pessoas vão até a borda do buraco, as suas silhuetas se recortam contra o enorme cilindro. Senhoras e senhores, existe ainda algo que não mencionei, mas que se torna cada vez mais nítido no meio de toda essa agitação. Talvez possam ouvir. Estão ouvindo?
Um zumbido discreto.
– Estão ouvindo esse curioso zumbido que parece vir do interior do objeto? Tentaremos nos aproximar com o microfone. Pronto, estamos a menos de 10 metros do objeto. Ouvem agora? Professor Pearson.
– Sim, Sr. Philips?
– O senhor sabe o que significa este zumbido?
– Trata-se provavelmente do resfriamento do objeto.
– Bem, o senhor continua a acreditar que isto é um meteorito, professor Pearson?
– Não sei. Indiscutivelmente o material não é terrestre, seria impossível encontrá-lo em qualquer ponto de nosso planeta. Além do mais, como se sabe, o atrito com a atmosfera terrestre costuma ferir a superfície dos meteoritos… e esta coisa cilíndrica parece absolutamente lisa…
– Algo está acontecendo. Senhoras e senhores, é impressionante, uma das extremidades do objeto está se abrindo, está se descascando, a parte superior está se desaparafusando. Pelo jeito a coisa é oca…

Gritos de terror. Pânico.
– Atenção! Cuidado!…
– Nunca vi nada mais terrível… um momento… há qualquer coisa aparecendo na parte superior do aparelho! Alguém… ou alguma coisa. Alguma coisa que sai da sombra… parece uma serpente enorme. E agora outra. Parecem tentáculos. Já se pode ver o corpo da coisa. É muito grande, do tamanho de um urso. Brilha como se fosse de couro molhado. Parece… senhoras e senhores, é impossível descrever. Deixem-me ver primeiro. É horrível, seus olhos são negros, de sua boca sai uma luminosidade em forma de V, não tem lábios, escorre baba, ele treme todo, bate a cada instante como se fosse um enorme coração. O monstro… ou o que quer que seja… mal consegue se mover, parece grudado ao chão, preso pela gravidade terrestre. Agora parece que a coisa está se levantando e a multidão recua. Senhoras e senhores, não tenho palavras… tenho que parar esta reportagem a fim de procurar um posto de observação melhor. Continuem em sintonia conosco…
Música suave.
– Estão ouvindo uma reportagem diretamente da fazenda Willmot, em Grover’s Mill, Nova Jersey.
Música suave.
– Senhoras e senhores… Será que estou na antena?… senhoras e senhores, encontro-me neste momento em cima do muro do jardim do Sr. Willmot, de onde tenho uma visão de conjunto do espetáculo. Continuarei a lhes fornecer todos os detalhes, enquanto puder falar e ver o que acontece. Parece que estão chegando reforços da polícia, deve haver pelo menos 30 policiais ao redor do buraco. Agora não há mais necessidade de conter os curiosos, pois a multidão recuou para uma distância segura. O chefe de polícia está discutindo com alguém que não reconheço. Ah, parece que é o professor Pearson. Sim, é ele. Neste momento o professor examina um dos lados do aparelho, enquanto o chefe da polícia e dois guardas se postam a seu lado com alguma coisa na mão. Ah, sim, é um lenço branco amarrado à ponta de uma vara, uma bandeira de paz… parece que aquelas criaturas entendem o significado da bandeira.
Forte vibração.

– Incrível, está acontecendo qualquer coisa inesperada! Uma coisa qualquer está saindo do buraco, estou vendo uma luz em um vidro. É… é um jato de fogo, um jato de fogo saindo daquele espelho, na direção do grupo, o jato os alcança como se fosse um chicote. Meu Deus! Eles estão pegando fogo!…
Urros de dor, gritos de pânico.
– A multidão está correndo para o bosque, as chamas se espalham por toda a parte… estão vindo para o nosso lado… a alguns metros…

Estúdio.

– Senhoras e senhores, por motivos alheios a nossa vontade, somos forçados a interromper essa reportagem direta de Grover’s Mill, pois, ao que parece, houve dificuldades com o membro de nossa equipe ali destacada. Prometemos, porém, continuar a transmissão assim que seja possível. Enquanto isso, transmitiremos uma notícia que acaba de chegar de San Diego, na Califórnia. Hoje, no decorrer de um jantar da Sociedade de Astronomia da Califórnia, o professor Kendel Kopfer manifestou a opinião de que as explosões em Marte nada mais são do que grandes erupções vulcânicas na superfície daquele planeta… Continuaremos agora com o nosso programa de música suave.
Música.
– Senhoras e senhores, estou sendo informado, neste instante, de que já dispomos do testemunho de alguém que viu com seus próprios olhos a tragédia ocorrida há pouco em Grover’s Mill. Trata-se do professor Pearson, localizado há minutos nas imediações daquela fazenda, onde estabeleceu o seu posto de observação. Na qualidade de cientista, ele vai dar a explicação da tragédia. Com vocês o professor Pearson.
Transmissão a distância.
– Quanto à criatura saída de dentro do foguete cilíndrico de Grover’s Mill, nada de conclusivo posso afirmar, nada sobre sua natureza, sua origem, suas intenções. Quanto ao engenho destrutivo por ele utilizado, creio que tenho algo a dizer. À falta de um termo mais preciso, eu diria que se trata de um raio de calor. É evidente que tais criaturas possuem conhecimentos científicos bem mais avançados do que nós. A meu ver, são capazes de acumular um certo tipo de calor muito intenso em um recipiente imune à condutibilidade. Esse calor é projetado em forma de raio, através de um espelho parabólico de material desconhecido. O calor se projeta da mesma forma que a luz de um farol de automóvel. Está é minha opinião sobre a origem do raio.

Estúdio.

– Obrigado, professor Pearson. Neste instante, uma ligação chegada de Princeton nos dá conta de que o corpo queimado de Carl Philips acaba de ser levado para o hospital de Trenton. De Washington nos informam também que o diretor da Cruz Vermelha acaba de enviar 10 equipes de socorro à central de polícia do estado, as quais se encontram agora estacionadas nas imediações de Grover’s Mill, onde os incêndios já estão sob controle. No buraco onde caiu o objeto, tudo parece calmo, não havendo sinal de vida dentro do cilindro. Eis uma declaração especial do Sr. Henry MacDonald, vice-diretor de operações:
“Acabamos de receber um apelo do destacamento da Polícia Estadual em Princeton. Faremos o possível para conceder-lhes todas as facilidades, tendo em vista a gravidade da situação. Estamos persuadidos de que o rádio tem o dever de servir a cada instante o interesse do público. Colocamos todo nosso equipamento à disposição da Polícia de Trenton.” Neste momento passamos a falar de um posto de polícia estabelecido nas imediações de Grover’s Mill.

– Aqui fala o capitão Lensing, do corpo de sinaleiros da Polícia estadual. Neste momento estamos realizando uma operação militar perto de Grover’s Mill. Podemos afirmar que os objetos não identificados estão sob controle. O objeto não identificado está dentro de um buraco, sob nossa mira, cercado de oito batalhões de infantaria. Não possuímos artilharia pesada, mas estamos bem armados, com fuzis e metralhadoras. Não há mais motivo para pânico. As coisas, seja lá o que forem, não se atreverão a ultrapassar a borda do buraco. Daqui, à luz dos faróis, estou vendo o esconderijo dele. Com todos os seus recursos, se é que realmente eles os têm, esses caras não poderão sustentar um combate com nossas tropas. De qualquer forma, é um bom exercício para os soldados. De meu posto, eu os vejo, em uniformes cáqui, passeando diante dos holofotes. Parece uma guerra de verdade. Há um pouco de fumaça no bosque a margem do rio Millstone. Devem ser fogueiras acessas pelos camponeses. O melhor seria entrarmos logo em ação: um rápido assalto de uma das companhias postadas nos flancos e tudo estaria terminado. Um momento, estou vendo qualquer coisa lá no alto do cilindro. Não, era apenas uma sombra. Há nada menos que 7 mil homens armados nas terras da fazenda Willmot, cercando um cilindro metálico. Esperem, não era uma sombra, é uma coisa qualquer que se levanta do cilindro. Está cada vez mais no alto. Nossa! A coisa tem pernas. É qualquer coisa que se ergue sobre andaimes de metal. Agora está passando das árvores, perseguida pelos holofotes. Esperem…

Estúdio.

– Senhoras e senhores, tenho uma importante informação para transmitir. Por incrível que pareça, tanto as observações dos cientistas quanto as nossas levam à inevitável conclusão de que os estranhos seres que há pouco aterrissaram na fazenda Willmot constituem a vanguarda de um exército de invasores procedentes do planeta Marte. A batalha que acaba de ter lugar em Grover’s Mill terminou com a mais incrível derrota sofrida por um exército de nosso tempo. Uma só máquina procedente de Marte enfrentou 7 mil homens armados de fuzis e metralhadoras, dos quais apenas 120 sobreviveram. Os corpos dos restantes juncam agora  o campo de batalha, que se estende de Grover’s Mill até Plainsborough, tudo arrasado pelos pés metálicos do monstro, tudo reduzido a poeira pelo seu raio de calor. O monstro ocupa a parte central de New Jersey e divide os Estados Unidos ao meio. As linhas de comunicação acham-se cortadas desde a Pensilvânia até o Atlântico. Os trilhos das ferrovias foram arrancados e as rodovias entre a Filadélfia e New York estão interrompidas, excetuando-se os desvios de Allentown e Felixtown; as auto-estradas no norte, do sul e do oeste estão ocupadas por multidões tomadas de pânico. A polícia e o exército são incapazes de controlar esse êxodo absurdo. Acaba de ser decretada a lei marcial em New Jersey e no leste da Pensilvânia. Diretamente de Washington, transmitiremos agora um comunicado especial sobre o estado de emergência. Com a palavra o ministro do Interior: “Cidadãos. Não esconderei a gravidade da situação que se abate sobre este país, nem os problemas que o governo está enfrentando para proteger a vida e as propriedades dos cidadãos. Entretanto, quero fazer com que todos sintam, civis e militares, a urgente necessidade de calma e de ação. Felizmente o terrível inimigo ocupa apenas uma área relativamente pequena do país e podemos estar certos de que nossas Forças Armadas serão capazes de detê-los. Enquanto isso, depositando em Deus a nossa fé, saibamos cumprir o nosso dever, a fim de que a nossa nação, unida, corajosa e consagrada à preservação da supremacia humana sobre este planeta, possa enfrentar o inimigo. Muito obrigado.”
Ruídos de avião.
– Aqui fala o avião bombardeiro Z-843, voando sobre New Jersey. Tenente Bolt, comandante, ao comandante Forsyte, base de Langham. Máquina inimiga a vista, bem como três outros aparelhos em forma de cilindro. Uma das máquinas está parcialmente danificada e cercada de policiais. Suas armas parecem silenciosas. Uma espécie de pesado nevoeiro cobre o chão, parece extremamente denso e é de um tipo desconhecido. Não há sinais do raio de calor. O inimigo se dirige agora para o oeste. Vai atravessar o rio. Evidentemente seu objetivo é New York… acaba de destruir uma central hidrelétrica.
Ruído poderoso de motor descendo a pique.

– As máquinas estão cada vez mais próximas. Vamos atacá-las. Mais 900 metros e ela estarão dentro de nosso alvo. Daqui a 800 metros… 600… 400… 200… pronto… ele está aprontando o raio em nossa direção, é uma luz verde…
Ouve-se nitidamente a queda do avião. Corte. Outra voz.
– Estamos queimando… a 80 metros… o motor não responde… não há meio de largar as bombas… estamos caindo… o motor parou… eu…
– Nova Jersey chamando a base de Langham… Responda, por favor…
– Aqui, base de Langham. Fale.
– Oito bombardeiros tiveram seus motores danificados durante a missão contra os aparelhos não identificados. Foram atingidos pelo raio de calor e abatidos. Um aparelho inimigo foi danificado. O inimigo está mandando uma espessa cortina de fumo negro na direção de…
Corte. Outra voz.
– Aqui New Jersey… Aqui New Jersey… Atenção… uma pesada cortina de fumaça negra avança em direção às áreas ainda não conflagradas… as estradas federais 7, 23 e 24 estão completamente engarrafadas… evitem esta região bloqueada… a fumaça se propaga pelas ruas…
– XXLL chamando 8X3R… XXLL chamando 8X3R… responda por favor…
– Aqui 8X3R respondendo a XXLL…
– Vocês nos recebem bem? Onde está você, 8X3R?… Onde está você?…
Apitos de trem e de navios.
– Estou falando do teto do nosso estúdio em New York…
Bimbalhar de sinos.

– Os sinos que ouvem neste momento estão dando o sinal de alarme para que os habitantes abandonem a cidade, pois os marcianos se aproximam… Calcula-se que nas últimas horas nada menos de 3 milhões de pessoas fugiram pelas estradas no norte… todas as pontes continuam abertas… a fim de evitar que os automóveis tenham de seguir por Long Island, que parece infernalmente engarrafada…
Enquanto o locutor fala, ouvem-se os ruídos distantes do porto: sirenes, apitos, etc.
– Todas as comunicações com New Jersey foram cortadas há 10 minutos… não há mais nenhuma possibilidade de defesa, o nosso exército foi completamente destruído… esta talvez seja a nossa última emissão… permaneceremos aqui até o fim… lá embaixo o povo reza na catedral… no porto, os navios estão superlotados… todas as ruas estão bloqueadas… um momento, um momento… estou vendo o inimigo lá para os lados de Palissade Park… cinco… gigantescas máquinas… a primeira acaba de atravessar o rio… atenção, recebi agora mesmo um telegrama: “Os cilindros marcianos estão descendo no país inteiro, um em Buffalo, outro em Chicago, Saint-Louis”… Tudo parece cronometrado, planejado, um engenho acaba de atravessar o rio e observa a cidade… é da altura de um arranha-céu… está esperando pelos outros… parecem uma fileira de torres a oeste da cidade… estão erguendo as suas mãos metálicas… é o fim… sai fumaça… uma fumaça negra que envolve a cidade… os transeuntes vêem a fumaça… milhares de pessoas fogem para o leste, como ratos… a fumaça se propaga rapidamente para os lados de Times Square… Os fugitivos procuram evitá-lo, mas é inútil, caem como moscas… a fumaça está chegando agora à Sexta Avenida… está apenas a 80 metros… a alguns metros…

(tosse. Ruído de um corpo que cai.)
Silêncio.

– XXLL chamando New York… XXLL chamando New York… XXLL chamando New York… XXLL chamando New York… Alguém na escuta? Ninguém? XXLL…
Voz de Orson Welles no papel do último homem.

– Sou talvez o único homem vivo sobre a Terra. Escapei porque me escondi numa casa deserta, nas proximidades de Grover’s Mill. Tudo o que aconteceu antes da chegada das monstruosas criaturas parece fazer parte de uma existência muito remota. Uma vida sem nenhuma relação com a atual. Com esta existência sem sentido, reduzida ao silencioso diálogo com uma folha de papel, em cujo verso acham-se escritas algumas notas sobre astronomia, assinadas pelo professor Richard Pearson. Olho para minhas mãos enegrecidas, meus sapatos rasgados, minhas roupas em farrapos e tento estabelecer alguma relação entre mim e esse homem de Princeton que, na noite de 20 de outubro, percebeu em seu telescópio um curioso clarão alaranjado na superfície de um planeta distante. Minha mulher, meus colegas, meus alunos, meus livros, meu laboratório, meu… meu… mundo, onde estão? Alguma vez existiram? Sou de fato Richard Pearson? Que dia é hoje? Os dias existem sem calendário? Descrevendo agora a minha vida cotidiana, digo a mim mesmo que estou conservando a história do homem entre as capas escuras deste pequeno caderno. Mas, para escrever devo permanecer vivo, e para viver tenho de comer. Na cozinha, encontrei um pouco de pão e uma laranja não muito ressequida. Olho continuadamente através da janela e de vez em quando vejo um marciano por entre a fumaça negra, esta fumaça que envolve tudo. Às vezes ouço um silvo e vejo um marciano pulverizando os arredores com um jato de vapor, a fim de dissipar a fumaça. Vejo sua enorme perna de ferro, quase tocando a casa onde estou… Fui dormir dominado pelo terror… Hoje de manhã… O sol penetrou através da janela, a nuvem negra desapareceu dos campos, somente os campos para os lados do norte ainda parecem cobertos por essa nuvem negra… aventurei-me a sair de casa, fui até uma estrada coberta de veículos destruídos, esmagados, esqueletos carbonizados… Caminho para o norte… não sei exatamente porque sinto-me possuído pela idéia de perseguir os monstros, ao invés de ser perseguido… Observo minuciosamente os arredores e, se por acaso algum dos monstros aparecer, estarei pronto para me atirar ao chão… Acabo de ver uma árvore de natal… Outubro?… Há dois dias caminho em direção ao norte, através de um mundo de desolação… Por fim, encontrei uma criatura viva, um pequeno esquilo no galho de uma árvore… Olhei para ele, pensativamente; ele me olhou e, naquele momento, tive a impressão de que sentiu uma emoção igual a minha: a de ter encontrado uma criatura viva… Continuo a andar em direção ao norte… No dia seguinte, vi uma cidade, uma cidade de contornos vagamente familiares, cujas casas parecem ter sido caprichosamente decepadas pela mesma mão, igualadas pela mão de um gigante… fiquei nos arredores da cidade… Depois de ter caminhado muito tempo, cheguei finalmente à New York, ansioso por saber qual fora o destino dessa grande cidade. Entrei cautelosamente em um túnel e fui sair em Canal Street. Ao alcançar a Rua 14, encontrei está poeira negra e estes corpos mutilados; vinha um cheiro terrível dos porões de certas residências. Atravessei as Rua 30 e 40 e me vi sozinho no meio do Times Square. Notei a presença de um cão muito magro, que corria pela Sétima Avenida. Aproximou-se, pôs-se a andar ao redor de mim. Continuei em direção à Broadway, através da poeira negra, destas vitrines silenciosas que enviam a sua mensagem sem palavras às calçadas desertas. Eis o Capitólio, silencioso e nu. Passo diante de um stand de tiro ao alvo, vejo uma fila de fuzis diante de patos de madeira, imóveis. No Columbus Circus, vejo uma enorme vitrine e dentro dela um automóvel 1939, que parece olhar a rua desolada. Sobre o teto de uma casa, pássaros negros voam em círculos. De repente, percebo o capô de uma das máquinas dos marcianos, brilhando ao sol do Central Park. Subo a uma pequena elevação e vejo 19 máquinas iguais, imóveis, os braços pendentes ao longo de sua couraça vazia. Os monstros que ocupavam tais engenhos parecem ter desaparecido. Só então percebo a grande quantidade de pássaros que voam perto do chão, onde jazem os cadáveres nus e silenciosos dos marcianos. Famintos os corvos arrancam pedaços de seus corpos inanimados… Mais tarde, quando os cadáveres foram examinados nos laboratórios, descobriu-se que tinham sido mortos por micróbios contra os quais os seus organismos não estavam imunizados. Estranho, quando falharam as armas dos homens, venceram os pequenos organismos. Antes do ataque, estávamos persuadidos de que fora de nosso globo não havia nenhuma espécie de vida. Hoje vemos mais longe. Uma visão maravilhosa se forma em nosso espírito: a visão de uma vida que se estende, lentamente, a partir desses pontos minúsculos do sistema solar, em direção à imensidade do espaço sideral. Parece-me quase inacreditável estar sentado outra vez diante de minha mesa de trabalho, em Princeton, a escrever tranquilamente este último capítulo das notas começadas numa casa deserta nas imediações de Grover’s Mill. É quase inacreditável ver através da minha janela a universidade que renasce, os garotos que brincam na rua, os jovens deitados na grama primaveril, de uma primavera que trata de ocultar as últimas feridas escuras da tragédia. É quase inacreditável assistir ao fluxo de visitantes que vêm ao museu a fim de ver os restos de uma máquina marciana exposta ao público; é inacreditável que eu possa ainda me recordar da primeira vez que vi esta máquina brilhante, dura e silenciosa, ao amanhecer daquele derradeiro e histórico dia.
Música.
– Senhoras e senhores. A peça terminou e agora fala Orson Welles, para assegurar que a guerra dos mundos não foi nada mais do que um divertimento, a única maneira que o Mercury Theatre encontrou de se cobrir com um lençol e se esconder atrás de uma moita, a fim de lhe pregar um susto. Desta forma, fizemos o que nos competia, aniquilamos o mundo e destruímos inteiramente a CBS. Espero, pelo menos, que hajam compreendido as nossas boas intenções e estejam certos de que estas duas instituições (o mundo e a CBS) continuam em perfeito funcionamento. Assim, boa-noite a todos, com a recomendação de que se recordem, pelo menos durante alguns dias, da horrível lição aprendida esta noite.





REFERÊNCIAS

TESCHKE ,Jens. 1938: Pânico após transmissão de "Guerra dos mundos". Disponível em: <http://www.dw.com/pt-br/1938-p%C3%A2nico-ap%C3%B3s-transmiss%C3%A3o-de-guerra-dos-mundos/a-956037>. Acesso em 13 de janeiro de 2017.

A Guerra dos Mundos de Orson Welles - História do Rádio. Disponível em: <www.locutor.info/biblioteca/guerra_dos_mundos_1938.doc>. Acesso em 13 de janeiro de 2017.

AFFONSO, Victor. Como foi a transmissão de rádio inspirada em “Guerra dos Mundos”?. 03 de agosto de 2016. Disponível em: < http://mundoestranho.abril.com.br/cultura/como-foi-a-transmissao-de-radio-inspirada-em-guerra-dos-mundos/>. Acesso em 13 de janeiro de 2017.

WIKIPÉDIA. Orson Welles. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Orson_Welles>. Acesso em 13 de janeiro de 2017.


OLIVEIRA, Clovis M. Guerra Dos Mundos De Orson Wells 1938 – Experimento De Terrorismo Psicológico?. 17 de Junho de 2012. Disponível em: <https://clovismoliveira.wordpress.com/2012/07/17/5542/>. Acesso em 13 de janeiro de 2017.



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