A
CABANAGEM
A PROVÍNCIA DO GRÃO-PARÁ ENTRE 1835 – 1840
A Cabanagem, movimento que ocorreu na província do
Grão-Pará, entre os anos de 1835 e 1840, pode ser vista como um prosseguimento
da Guerra da Independência na região.
Desde a emancipação política, em 1822, a Província
do Grão-Pará, vivia um clima
agitado. Isolada do resto do país, era a
parte mais ligada a Portugal. Declarada a Independência, a Província só foi
reconhecê-la em agosto de 1823. A adesão
ao governo de D. Pedro I foi penosa e violentamente imposta. Administrada
por Juntas governativas que se apoiavam nas Cortes de Lisboa, os habitantes da
Província já estavam acostumados a ver todos os cargos públicos e recursos
econômicos nas mãos dos portugueses.
A
decadente economia da província do Grão-Pará, que englobava os atuais Estados do Pará, parte do Amazonas, Amapá e
Roraima, se baseava na pesca, na produção de cacau, na extração de madeiras
e na exploração das drogas do sertão. Utilizava-se a mão-de-obra escrava negra
e a de índios que viviam em aldeias ou já estavam destribalizados e submetidos
a um regime de semiescravidão.
A Independência não provocara mudanças na estrutura
econômica nem modificara as péssimas condições em que vivia a maior parte da população
da região, formada por índios destribalizados, chamados
de tapuios,
índios aldeados, negros forros e escravos e mestiços. Dispersos
pelo interior e nos arredores de Belém, viviam marginalizados em condições miseráveis, amontoados em
cabanas à beira dos rios e igarapés e nas inúmeras ilhas do estuário do
rio Amazonas.
Desde a Guerra
da Independência, quando mercenários, comandados pelo Lord Almirante Grenfell, destituíram a Junta
que governava a Província, o povo
exigia a formação de um governo popular chefiado pelo cônego João Batista
Gonçalves Campos. No entanto, Grenfell,
que recebera ordens para entregar o Governo a homens da confiança do Imperador,
desencadeou violenta repressão,
fuzilando e prendendo muitas pessoas. O episódio ocorrido a bordo do brigue
Palhaço, quando cerca de 300
prisioneiros foram sufocados com cal, não conseguiu implantar a
normalidade. Ao contrário os ânimos ficaram ainda mais exaltados.
A própria Junta que assumiu o governo da Província,
em agosto de 1823 confessava: "Sentimos não poder afirmar que a tranquilidade
está inteiramente restabelecida porque ainda temos a temer, principalmente a
gente de cor, pois que muitos negros e mulatos foram vistos no saque de envolta
com os soldados, e os infelizes que se mataram a bordo do navio, entre outras
vozes sediciosas deram vivas ao Rei Congo, o que faz supor alguma combinação de
soldados e negros".
A situação da Província do Grão-Pará era, portanto,
favorável ao surgimento de movimentos
que expressavam a luta de uma maioria de índios, mestiços e escravos, contra uma
minoria branca formada, principalmente, por comerciantes portugueses. Essa
minoria concentrava-se em Belém, cidade que na época abrigava cerca de 12 mil
moradores dos quase 100 mil que habitaram o Grão-Pará. Entre 1832 e 1835 a Província passou por momentos de intranquilidade.
No interior e na capital ocorreu uma série
de levantes populares, que contaram com a adesão dos soldados da tropa,
descontentes com o baixo soldo, com o poder central e com as autoridades
locais.
Embora por causas diferentes, os cabanos (índios e
mestiços, na maioria) e os integrantes da elite local (comerciantes e
fazendeiros) se uniram contra o governo regencial nesta revolta. O objetivo
principal era a conquista da independência da província do Grão-Pará. Os
cabanos pretendiam obter melhores condições de vida (trabalho, moradia,
comida). Já os fazendeiros e comerciantes, que lideraram a revolta, pretendiam
obter maior participação nas decisões administrativas e políticas da província.
A REVOLTA
DOS CABANOS
A abdicação
de D. Pedro I teve reflexos violentos no Grão - Pará. Sob a liderança do cônego Batista Campos, os cabanos depuseram uma
série de governantes nomeados pelo Rio de Janeiro para a Província. Além
disso, exigiam melhores condições materiais e a expulsão dos portugueses,
vistos como os responsáveis pela miséria em que viviam. Em dezembro de 1833, o Governo da Regência Trina Permanente
conseguiu retomar o controle da situação, e Bernardo Lobo de Sousa assumiu o governo da Província.
Cônego
Batista Campos
Segundo o historiador Caio Prado Júnior, "é neste governo que propriamente se inicia
a revolta dos cabanos." Logo após
ser empossado, Lobo de Sousa iniciou uma violenta política repressiva.
Perseguiu, efetuou prisões arbitrárias e deportações em massa. No entanto, foi o recrutamento para o Exército e a
Armada imperiais, medida extremamente impopular, que precipitou uma rebelião
generalizada. O recrutamento
permitiu que fossem afastados os elementos
considerados "incômodos" ao governo da Província.
As atitudes de Lobo de Sousa aumentaram a agitação
e o descontentamento da população. A revolta se alastrou pelo interior da
Província. Os cabanos receberam o apoio dos irmãos Antônio e Francisco Vinagre, lavradores do rio Itapicuru
do seringueiro Eduardo Nogueira Angelim, e do jornalista do Maranhão Vicente Ferreira Lavor, que, através do periódico A Sentinela, propagava
as ideias revolucionárias. À medida que o movimento avançava, os revoltosos
se dividiam: a ameaça de radicalização fez com que muitos se retirassem temendo
a violência das massas populares, enquanto outros, como o cônego Batista Campos, esperavam obter as reformas
que defendiam na recém-criada Assembleia
Legislativa Provincial. A partir daí a elite que liderara a revolta recuou
e os cabanos assumiram o controle.
Em
janeiro de 1835, dominaram Belém, executando o governador Lobo de Sousa e
outras autoridades. O primeiro governo cabano foi entregue ao
fazendeiro Félix Antonio Malcher, que, com medo da violência das camadas mais
pobres da população, entrou em choque
com os outros líderes perseguindo os elementos mais radicais. Chegou a
mandar prender e deportar Angelim e
Francisco Vinagre. Além disso, manifestou
a intenção de manter a Província ligada ao Império, ao jurar fidelidade ao
Imperador, afirmando que só ficaria no poder até à maioridade. Esse juramento ia de encontro ao único
ponto que unia os revoltosos: a rejeição à política centralizadora do Rio de
Janeiro vista como preservadora dos privilégios dos portugueses. Malcher
acabou sendo deposto e executado.
Francisco
Vinagre foi escolhido para o segundo governo cabano. No entanto não foi capaz de
resolver as divergências entre os revoltosos, e foi acusado de traição por ter
feito um acordo com as tropas legalistas enviadas pelo Rio de Janeiro. Vinagre ajudou as tropas e navios sob o
comando do Almirante inglês Taylor, e prometeu
entregar a presidência da Província a quem fosse indicado pelo Governo Regencial. As forças
regenciais retomaram Belém.
Os
cabanos, vencidos na capital, retiraram-se para o interior. Aos poucos foram tomando conta
da Província. Profundos conhecedores da
terra e dos rios, infiltraram-se nas vilas e povoados, conseguindo a adesão das
camadas mais humildes da população. Liderados por Vinagre e Angelim,
reforçaram suas tropas e retomaram
Belém, após nove dias de lutas violentas. Com a morte de Antônio, Eduardo Angelim foi escolhido para o terceiro
governo cabano que durou dez meses. Angelim era um cearense de apenas 21
anos que migrara para o Grão- Pará após uma grande seca ocorrida no Ceará, em
1827.
No entanto, os cabanos,
durante todo o longo período de lutas, não
souberam organizar-se com eficiência. Abalados por dissidências internas,
pela indefinição de um programa de governo, sofreram ainda uma epidemia de varíola, que assolou por longo tempo
a capital.
A REPRESSÃO DA REGÊNCIA
O regente
Feijó decidiu restabelecer a ordem na Província. Em abril de 1836 mandou ao Grão-Pará uma poderosa esquadra comandada
pelo brigadeiro Francisco José Soares de Andréia, que conseguiu retomar a
capital. Havia na cidade quase unicamente mulheres. Os cabanos abandonaram
outra vez Belém e retiraram-se para o interior, onde resistiram por mais três
anos. A situação da Província só foi
controlada pelas tropas do Governo Central em 1840. A repressão foi violenta e
brutal. Incapazes de oferecer resistência, os rebeldes foram esmagados. Ao
findar o movimento, dos quase 100 mil
habitantes do Grão-Pará, cerca de 30mil, 30% da população, haviam morrido em
incidentes criminosos e promovidos por mercenários e pelas tropas
governamentais.
Segundo o historiador Caio Prado Júnior, "foi
o mais notável movimento popular do Brasil... o único em que as camadas mais
inferiores da população conseguem ocupar o poder de toda uma província com
certa estabilidade. Apesar de sua desorientação, da falta de continuidade que o
caracteriza, fica-lhe, contudo a glória de ter sido a primeira insurreição
popular que passou da simples agitação para uma tomada efetiva de poder.”.
REFERÊNCIAS:
IMAGENS:
Canais do Aula de História na Web 2.0
Canais do Retro Games BR
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